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Carmen Miranda e o Carnaval

Updated: Feb 18, 2023

CAIO ZUNTA Colaboração para a CASA VAMOS LER, de JAÚ 09/02/2023 19h59

Carnaval... Quando se fala em Carnaval qual é a primeira coisa que lhe vem à cabeça? Os “batuques” das músicas? As marchinhas clássicas dos tempos dos nossos avós/pais? As escolas de samba? Os sambas? Enfim, são tantas possibilidades... Mas, então, afinal, o que lhes vem à cabeça quando falam em carnaval? Vou falar de mim. O que me vem à cabeça... A primeira coisa que me vem à cabeça é Carmen Miranda. Sim, a Carmen. Hoje, em pleno 2023, pouquíssimos são aqueles que a conhecem e sabem quem realmente foi Carmen Miranda. Alguns dirão: “Ah, foi aquela mulher com as frutas na cabeça. E que dançava, gesticulava...”. Possivelmente é o que a maioria pensará e dirá. Mas o fato é que a importância de Carmen Miranda é tão grande, tão significativa que poderíamos dizer que Carnaval e Carmen Miranda são uma coisa só.

Carmen Miranda nasceu Maria do Carmo Miranda da Cunha, em Marco de Canaveses, em Portugal, em 9 de fevereiro de 1909 – inclusive, escrevo isso em 09 de fevereiro 2023. (Isso é um fato que poucos sabem também: Carmen nasceu em Portugal, não no Brasil. Infelizmente. Mas quando veio pra cá não tinha nem um ano. E todas as suas referências artísticas são brasileiras, não portuguesas, logo fica aquilo: pai é quem cria, não quem coloca no mundo).

Na adolescência, Carmen Miranda trabalhou em uma loja de chapelaria. A convivência com a vida agitada da Lapa, bairro do Rio de Janeiro, aproximou a adolescente da música e também influenciou nas suas referências estéticas futuras. A imagem muito ligada à Carmen Miranda é a sua fantasia de baiana. Ela começou a usá-la em 1939, quando participou do filme “Banana da Terra”, longa em que Carmen fez uma de suas principais interpretações musicais com “O que é que a baiana tem?”, de autoria de Dorival Caymmi. A fantasia de baiana adotada por Carmen Miranda sofreu variações ao longo de sua carreira, mas sempre contou com um turbante repleto de frutas e flores, sapatos e sandálias com plataforma e roupas com babados. O vestuário fez muito sucesso pelo mundo e passou a ser utilizado como fantasia em diferentes festas, principalmente no Carnaval.


Em 1929, Carmen foi apresentada ao compositor Josué de Barros, profissional que a inseriu em teatros e clubes. A partir de 1930, Carmen Miranda entrou de vez no mundo da música, cantando na Rádio Sociedade. Logo seu disco foi lançado, e o seu sucesso veio com a marcha-canção “Pra Você Gostar de Mim”, mais conhecida como “Taí”, escrita por Joubert de Carvalho. Logo ela fez a sua primeira turnê na Argentina, cujo país retornou diversas vezes nos anos seguintes. Ao entrar para a Rádio Mayrink Veiga, Carmen Miranda tornou-se a primeira mulher a assinar um contrato com uma rádio brasileira – em 8 de abril Carmen inaugurou o seu programa semanal de quinze minutos. Entre 1933 e 1938, retornou à Argentina mais oito vezes. Em 1936, Carmen Miranda apareceu em um filme, “Alô, Alô, Carnaval”, filme que proporcionou à cantora o dueto com sua irmã, Aurora Miranda, na conhecida cena da música Cantoras do Rádio. Sobre o filme conta Ruy Castro na biografia: “Alô, Alô, Carnaval, para os padrões brasileiros, era uma superprodução. O cenário, construído na Cinédia, reproduzia o grill do Cassino Atlântico, e havia ainda cenas filmadas no próprio cassino”. Carmen cantou “Querido Adão”, uma marchinha de Benedito Lacerda e Oswaldo Santiago que é fácil de aprender. Ainda no mesmo ano, Carmen passou a fazer parte do Cassino da Urca.

Uns dos sucessos de carnaval gravado por Carmen foi “Iaiá, ioiô”, do disco anterior ao “Pra você gostar de mim”. Ruy castro conta que: “Taí, como o povo chamou ‘Pra você gostar de mim’, alastrou-se pelos blocos de rua e pelos bailes, e chegou ao sábado de Carnaval, no dia 1º de março, cantada por milhares de bocas. Por que a surpresa? Porque eram três marchinhas – coisa praticamente inédita na história do Carnaval. Não havia, até então, o Carnaval das marchinhas. As poucas que o povo cantara desde a invenção do gênero, por volta de 1920, nunca tinham suplantado os sambas, que dominavam o carnaval (...). Naquele momento, Carmen com “Iaiá, ioiô” e “Taí”, e Almirante, com “Na Pavuna”, eram os porta-vozes da alegria nacional. Aquele Carnaval deveria durar para sempre, estender-se pelo resto do ano, atropelar a Quaresma, não chegar nunca à Quarta-feira de Cinzas. Carmen e Almirante não sabiam, mas, graças a eles, os ecos daquele Carnaval ficariam no ar por muitos anos: as marchinhas reinariam por três décadas e os estúdios de gravação nunca mais calariam os tamborins”. A Victor estimou que a venda de “Taí” chegou em 35 mil discos só no primeiro ano – número descomunal, já que mil discos representavam uma vendagem muito boa. Ruy Castro conta que Joubert não criou “Taí” com intenção de ser uma marcha de carnaval, e que foi a Carmen quem a transformou em uma marcha, junto com o arranjo de Pixinguinha e a ajuda de Rogério Guimarães. Ruy conta na biografia: “O Carnaval de 1932, no Rio, não esperou Fevereiro. Começou cedo, em janeiro mesmo, com batalhas de flores e de confete em Vila Isabel e na avenida Rio Branco, banhos de mar a fantasia no Flamengo e em Copacabana, e bailes em teatros, clubes e praças pela cidade inteira (...). A partir do sábado de Carnaval, 6 de fevereiro, houve corso todas as tardes nas avenidas; desfiles de blocos, ranchos e cordões nos bairros; e música, éter e beijos a todo tempo e hora (...). O Carnaval de 1933 foi o primeiro em que os foliões já não dançaram apenas aos pares, enlaçados – mas em grupos, formando cordões, ou cada um por si, ao ritmo das orquestras e batucadas”. Ele ainda diz: “‘Chegou a hora da fogueira’ não se limitaria a ser um dos grandes sucessos do meio do ano de 1933. Era apenas a melhor marchinha junina de todos os tempo”. Carmen recebeu uma definição que lhe marcou muito: A Pequena Notável. Pequena porque era sinônimo de garota e não por causa da sua baixa estatura.


O Carnaval chegou ao Brasil por meio de uma prática chamada de entrudo, que é uma brincadeira muito popular em Portugal. Essa prática se firmou no Brasil na passagem do século XVI para o XVII e foi muito popular até o século XIX, mas veio a desaparecer do país em meados do século XX, por meio da repressão que se estabeleceu contra essa brincadeira.

Leandro Narloch, em seu livro “Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, conta exatamente que: “Durante as festas pagãs da Roma Antiga, que deram origem ao carnaval cristão, escravos e seus senhores invertiam os papéis: por um dia, eram os servos que mandavam. No Brasil não havia tantos papéis trocados nos primeiro carnavais, mas uma reviravolta de comportamentos também tomava conta. Durante as festas conhecidas como entrudos, as pessoas atiravam bolas de cera nos outros e faziam guerrinhas d’água pela rua. Interessante é que em 1832, ao visitar o carnaval de Salvador, o então jovem Charles Darwim, se assustou com o carnaval. Ele escreveu em seu diário: ‘Estes perigos consistem principalmente em sermos, impiedosamente, fuzilados com bolas de cera cheias de água e molhados com esguichos de lata. Achamos muito difícil manter a nossa dignidade enquanto caminhávamos pelas ruas’. E essa festa dura até hoje em alguns blocos do interior. Ou seja, na maior parte da história do Brasil o carnaval foi uma algazarra deliciosamente sem noção”.

E ele continua: “Agora, o formato atual do carnaval deve muito a costumes e ideologias fascistas da década de 1930, além do interesse do presidente Getúlio Vargas de misturar sua imagem à cultura nacional e popular. Já havia desfiles em sociedades carnavalescas no começo do século 20, mas a maioria das regras da apresentação moderna nasceu com o fascismo. Em 1937 foi instituído que todos os sambas-enredos deveriam homenagear a história do Brasil. As primeiras regras de avaliação e ordem do desfile nasceram dois anos antes, quando o interventor federal do Rio de janeiro, Pedro Ernesto, começou a dar dinheiro para as escolas. Os instrumentos de sopro foram proibidos. Só poderiam participar entidades registradas como sociedades recreativas civis”.

“A primeira escola de samba que se tem notícia, a Deixa Falar, desfilou em 1929 usando na comissão de frente cavalos da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Três anos depois o samba-enredo da escola era A Primavera e a Revolução de Outubro, em homenagem à tomada de poder de Getúlio Vargas em outubro de 1930. Ou seja, não fosse a influência do fascismo italiano, o famoso desfile do carnaval brasileiro não existiria. E, sem ele, o samba que conhecemos hoje seria também muito diferente. O mesmo patriotismo que deu um empurrão ao desfile de carnaval provocou a folclorização do samba”. E, assim, chegamos ao carnaval que temos hoje. Diferente do tempo de Carmen Miranda.





Referências




Livro: Leandro Narloch, Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, 2ª edição, LeYa, 2011, páginas 143-146.


Livro: Ruy Castro, Carmen: Uma Biografia, 1ª edição, Companhia Das Letras, 2005, páginas 51-



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